sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Raiva

Estará correcto matar alguém aleatoriamente escolhido, uma simples desconhecida e talvez até boa pessoa, só porque nos sentimos rubros de raiva contra outra pessoa qualquer, que por uma razão ou por outra optámos por não matar? Opção tomada por razões que nem para nós são muito claras, não sendo o alvo do nosso ódio de todo aleatório, e muito menos boa pessoa? Honestamente – porque eu no fundo até sou honesto – devo dizer que não sei. Mas quando nos sentimos assim, quando nos domina aquilo que mesmo em pessoas menos homicidas do que eu se costuma chamar ‘raiva assassina’, alguém tem de morrer, e neste caso calhou ser a senhora do pescoço sedoso e macio.

Na verdade, e segundo todos os ditames da lógica, muita gente defenderia o meu dever de tomar a minha própria vida, ou, como se diz nos meandros do Café Esperança, “Dar um tiro nos cornos.” Isto porque aquilo que mais frequentemente despoleta a minha raiva é a falta de lógica, a irracionalidade, direi mesmo a loucura. É esse o caso da pessoa que eu optei por não matar. E é, defenderão algum, que digo, a esmagadora maioria, uma descrição igualmente boa da minha pessoa. Enquanto a isso, tudo o que lhes posso dizer é que estão errados, mas aí cairemos num paradoxo: ao aceitarem que eu não estou louco, estarão a tomar por boa a palavra de alguém que à partida é louco, o que é um disparate. Não vi solução para o dilema, e portanto acabei por matar a senhora do pescoço sedoso.

Não que isso faça realmente diferença. Ninguém pode afirmar com o menor grau de certeza que teria sido melhor para ela não ter sido morta por mim. Quem sabe a vida horrível que a esperaria se tivesse vivido para a experimentar? Quem sabe, aliás, que vida horrível me espera a mim? Talvez matar-me acabasse por ser uma boa ideia. Hmmm, não sei. Tenho de pensar bem nisto. Mas a ideia começa a agradar-me…

~ Vivam bem, boas mortes, e sobretudo não sejam apanhados.

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