Chamo-me Teodoro, e não sou um vampiro, um lobisomem, ou sequer uma alma penada, quanto mais não seja porque esta história não é dessas. Sou apenas uma pessoa perfeitamente normal, que um dia atravessou uma cortina e começou a sua segunda vida. Esta é bastante parecida com a primeira, só que com outras prioridades. Por regra não mato pessoas mas, se isso der jeito, que mal é que faz? Acreditem, vão gostar mais de mim quando me conhecerem melhor.
sábado, 6 de maio de 2017
O começo de Teodoro
É usual começar um texto apresentando o seu narrador, o que normalmente consiste, para ficarmos pelos mínimos, num nome e idade. Esta última nem sempre é usada, mas é em certos casos imprescindível. Vejamos, então:
O meu nome, já devem sabê-lo, é Teodoro, embora isto não seja realmente verdade, e nasci hoje. Não, não receiem fraldas sujas e leite azedo, que não é desse tipo de nascimento que falo. No meu caso, que deve ser igual a todos os outros, na possibilidade de os haver, tratou-se apenas de atravessar uma cortina que separava a vida que findava daquela que ora se iniciava. A cortina era na verdade um jorro da cor do sangue, que se devia, conforme o meu paladar apurou, tratar-se realmente de um jorro de sangue. AB - , estão aqui a dizer-me, e não vejo por que não seria verdade.
Emergi do outro lado num estado previsivelmente ensopado em sangue, mas ao mesmo tempo fresco e limpo, isto por dentro, é bom de ver, que pouca gente se consegue manter fresca e limpa no estado que descrevi. Mas a minha alma, para usar esse termo arcaico, estava como nova. Mais, estava melhorada. Via agora a quantidade de coisas a que se dá importância na primeira vida, na de treino, digamos, e que são na verdade completamente irrelevantes. Refiro-me a coisas como a amizade e a beleza e o amor e a morte. A morte, sobretudo, é elevada a pináculos quase sagrados, como se tivesse uma importância suprema.
É claro que há mortes importantes, mortes que se faz mister evitar na medida do possível. Refiro-me sobretudo, à nossa própria morte, por termos pisado indevidamente um calo a alguém. Mas não há tragédia nenhuma em matar um tipo que pisou o nosso calo. Não é a melhor solução, confesso. O ideal é não termos calo nenhum. Mas já que ele ali está, e o outro tipo o pisou, que diabo, espete-se-lhe uma vara ferrugenta no pâncreas, e não pensemos mais nisso.
Compreendo que estes conceitos são talvez um pouco novos, para não dizer chocantes, para o iniciado nestas lides, e requerem o seu tempo para serem absorvidos. Deixo-vos portanto a matutar nisto, e amanhã contarei mais.
Vivam bem, boas mortes, e sobretudo não sejam apanhados.
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